Pedro Cabrita Reis
das águas e outros lugares
8 NOVIEMBRE 2024 - 18 ENERO 2024

Cabrita nació en 1956 en Lisboa, ciudad en la que actualmente vive y trabaja. Su obra no ha dejado de recibir reconocimiento internacional, convirtiéndose así en crucial y decisiva para la comprensión de la escultura a partir de mediados de los años ochenta. Su compleja obra puede caracterizarse por un idiosincrático discurso filosófico y poético que abarca una gran variedad de medios: pintura, escultura, fotografía, dibujo e instalaciones compuestas por materiales industriales y encontrados y objetos manufacturados. Mediante el uso de materiales sencillos sometidos a procesos constructivos, Cabrita recicla reminiscencias casi anónimas de gestos y acciones primordiales que se repiten en la vida cotidiana.
La compleja diversidad teórica y formal de la obra de Cabrita procede de una reflexión antropológica, contraria al reduccionismo del discurso sociológico.
De hecho, es sobre silencios e indagaciones sobre lo que se basa y construye la obra de Cabrita.
Pedro Cabrita Reis participó en importantes exposiciones internacionales, como la Documenta IX y XIV de Kassel en 1992 y 2017, la 21ª y 24ª Bienales de São Paulo, respectivamente en 1994 y 1998, en el Aperto de la Bienal de Venecia en 1997. En 2003 representó a Portugal en la Bienal de Venecia, en 2013 presentó "Un susurro remoto", 55ª Bienal de Venecia y participó en la Xème Biennale de Lyon, "El espectáculo de lo cotidiano", Lyon, 2009. En 2022 Cabrita presentó en las Tullerías "Les Trois Grâces" por encargo del Museo del Louvre, y con motivo de la 59ª Bienal de Venecia Cabrita Reis presenta "Field" en la Chiesa di San Fantin.
"La gente que ha visto este cuadro en mi estudio ha dicho que se trata más bien de un autorretrato mío. Probablemente sea así, todo acaba siendo un retrato, no hay nada que hagas que no sea una proyección de tu propio recorte del mundo"
Pedro Cabrita Reis en conversación con Miguel Nabinho
" SUM QUOD SUM"
Sérmon de San Agostin n.76
Isto
“- Isto, afinal, é tudo uma grande confusão!”
Foi tudo o que consegui ouvir a um grupo de uns seis homens, ainda bastante jovens, que conversavam animadamente, próximo da entrada do hotel Savoy, na Fasanenstrasse, em Berlim. Falavam todos ao mesmo tempo; a única excepção era um, talvez o mais novo, que parecia alheio ao que os outros diziam, e assobiava. Assobiava com convicção e persistência. Os outros parecia não darem por isso, como se o assobio fosse uma companhia natural daquilo que diziam.
Ocorreu-me de imediato a figura do espírito que nega...
Por essa altura, eu fumava charutos, sempre de grandes vitolas, disso tenho a certeza, e lembro-me que procurava sempre sítios que se ajustassem bem ao fumo e ao seu tempo demorado. Em cada cidade tinha o meu pouso favorito.
Isto é tudo o que imprecisamente recordo daquela cena, que pode muito bem ter acontecido noutra cidade ou noutro hotel ou, até mesmo, num outro tempo.
Afinal talvez estivesse mesmo dentro do hotel Savoy, numa sala espaçosa, e o tal grupo que conversava estivesse numa mesa ao lado da minha.
E eu, muito confortavelmente instalado, imagino sempre que uma súbita interrupção abala a cena, restando dela apenas o apetitoso charuto, a frase que conservara e o assobio. Como uma imagem clara que subitamente se tolda e se fragmenta por um inesperado estremeção.
Então tudo se desfaz.
É isto quase todas as noites. Repete-se a confusão, os sítios, o fumo e o assobio. Como já atrás disse, isto pode tudo não passar daqueles sonhos que se repetem e se sucedem durante as nossas vidas. Os seus habitantes não são necessariamente inexistentes, mas a sua mistura e a sua solidez têm um equilíbrio equívoco.
Penso muitas vezes nisto, nesta tão poderosa força que temos para combinar coisas que nos chegam de tão diferentes origens e são de tão diferente natureza.
Parece haver um excipiente de proveniência obscura que tudo liga, tudo combina e nos foge, sem que demos sequer conta dos seus poderes e dos seus efeitos. São estas aproximações ou, talvez melhor, atracções que dão vida ao que imaginamos. Como a pata de um gato que apanha – caça?
Não que tudo o que se aproxima faça parte daquilo que não sabemos bem o que é. Há as coisas que não sabemos, é verdade, mas também há as que convocamos com conhecimento, por suspeita, por intuição, e ainda por vá-se lá saber o quê.
Nada é tão fácil assim, como diria o Génio.
É um fazer ou acontecer que nos acompanha, mas que também pode voltar atrás, um perceber que algo lhe escapou ou um poder de encontrar o que não conhece.
Andam assim as coisas à nossa volta. Porque é que as coisas andam à nossa volta? Por um lado, não sabemos, faz parte de um mistério; por outro, temos quase a certeza de que se trata de uma nossa teimosia em não podermos existir sem arrastarmos connosco o que apanhamos, mesmo sem sabermos porquê.
Mas voltemos ao início. Estava eu a fumar um bom charuto no hotel Ritz de Madrid, ou num outro qualquer, pois já não me lembro bem, quando ouvi um grupo que conversava, dizer: “- Isto, afinal, é tudo uma grande confusão!”. Nunca soube de que confusão se tratava, muito embora merecesse o meu mais completo acordo.
Dos rapazes do grupo, fica o que assobiava. Reconheci de imediato a melodia, era-me familiar e nunca a esqueci. Nem esquecerei.
Jorge Molder